Ao chegar na Unila, ocupando o cargo de diretor de artes cênicas, me deparei com um espaço vazio. Um não, vários! Porém, para superar as dificuldades e avançando na reflexão, foi necessário encontrar e inventar espaços para criação e compartilhamento artístico e criativo que recorresse ao corpo e o colocasse em movimento. Em conversas informais, percebi o “corpo”, neste caso, para se referir ao grupo de pessoas, docentes e discentes, demostrava interesse em participar de um grupo onde pudessem desenvolver o autoconhecimento, a convivência e a expressão artística. Ocupar e intervir nesse espaço lacunar, se referia diretamente as minhas atribuições enquanto novo servidor. Nesse sentido, ao entender que um grupo de teatro se faz pelo encontro e interesse comuns, me vi inclinado a convidar aos interessados e propor um espaço para prática, experimentação e criação performativa. Recorrendo as minhas próprias experiencias, e buscando aquelas que mais dialogassem com a diversidade encontrada na comunidade Unila, e ainda, mergulhar numa investigação técnica que dialogasse e se mostrasse mais fluida e democrática, inclusiva e aberta e fosse eficaz à criação teatral, escolhi o contato improvisação1.
Dessa forma, entendendo a importância desta prática, tenho mantido desde 2010 um grupo de investigação juntamente com Márcia Berselli, na cidade de Porto Alegre, além de ter participado de encontros com profissionais da América Latina, da Europa e Estados Unidos. Desde então, ingressamos numa pesquisa que buscava através da prática, um estado de jogo que servisse de ferramenta, preparação corporal e estímulo à criação teatral. Criamos o Grupo “Duoemcontato” e como resultado dessa experiência, compusemos o espetáculo “Quando eu Tinha”, no qual abordávamos a temática da morte, a partir de relatos, memórias, etc.
Ao iniciar a investigação na Unila, foi priorizado o trabalho para apresentação e prática dos princípios da técnica, já que muitas pessoas relataram nos primeiros encontros possuir pouca ou nenhuma experiência formal em dança, ou criação artística onde o corpo fosse uma matéria.
Para isso foi criado espaço para prática cênica, o qual teve início no segundo semestre de 2014 e os encontros aconteceram de setembro a dezembro, no espaço conhecido como sala negra, situado a Unila Centro. Nesse período, realizávamos encontros semanais, com duração de 3h, cada. Cada encontro tinha uma média de 10 a 20 pessoas. Como elemento técnico utilizamos os princípios e elementos do contato improvisação pela sua capacidade de diálogo com o modo de pensar o corpo na atualidade.
Após a primeira experiência nesse sentido, aqui na Unila, e constatada a aceitação da proposta e efetividade do trabalho neste ambiente, proponho agora darmos um segundo passo, no sentido de aprofundar a investigação, capacitando os participantes, desenvolvendo experiências que busquem sistematizar a criação nesta arte. Neste sentido, venho aqui planejar e estabelecer direções e ações a serem tomadas nesse novo passo, encontrando táticas para que em 2015 esse coletivo passe a compor o panorama cultural da Unila e da Tríplice Fronteira.
No início de tudo, o corpo é convidado a se mover, a descobrir-se, tanto fisiologicamente, investigando as estruturas, os volumes e pesos, quanto psicologicamente, no que se refere aos bloqueios de determinadas regiões e membros do corpo. Ao trazer a atenção para o corpo, a palavra se torna secundária. O dialogo acontece por outros canais e vias sensoriais. Outro universo se instaura e, perdidos entre ar, pele, músculos, ossos, afetividade e ética, cada indivíduo acessa a si próprio, e ainda, precisa ultrapassar o medo de acessar o outro, o qual está numa relação de proximidade muito além daquele que a sociedade atual nos permite ou ensina. A racionalidade, que por muitas vezes ficava registrada somente pelo cérebro, numa visão que cultivava a dualidade corpo e mente, se organiza integradamente ao movimento, descobrimos que o corpo possui racionalidades múltiplas e pouco desenvolvidas. A escuta deixa de ser ouvir algo mecanicamente e passa ser compreender algo, a partir da supressão da fala.
Além disso, é interessante perceber que quando nos escondemos atrás das palavras, as máscaras e armaduras tendem a serem desfeitas, e o olhar se torna um desafio concreto a ser enfrentado. Descobre-se que pelo ritmo diário imposto pelo estilo de vida contemporâneo ou por qualquer aventura e interesse humano, estamos desabituados a olhar as outras pessoas e ser olhados por elas. Não estou me referindo a um tipo de olhar que consome o outro, que é impositivo, mas um olhar que percebe o outro enquanto tal, o constata e o assimila. Há um rito a ser compartilhado, e com isso um retorno a algo fundamental que foi sendo esquecido e que ser retomado: o reencontro de si, com o outro e com aspectos divinos que a socialidade pode manifestar. Para MAFFESOLI (1990, p. 61),
No está de más, con todo recordar que lo divino surge de las realidades cotidianas, y se elebora poco a poco en el compartimiento de gestos simples y rutinarios. Es en este sentido en el que el habitus o la costumbre sirvem para concretar, para actualizar, la dimensión ética de toda socialidad.
Em seguida, após vivenciar tais esses confrontos elementares num plano mais simbólico, e haver provado alguns princípios da gravidade no corpo num plano mais tátil, como equilibrar-se, por exemplo, o corpo está mais preparado para experimentar o entregar-se ao outro. Por meio do contato efetivo, por meio de manipulações, massagens e toques no corpo, surgem outras exigências. O outro agora não é algo que eu vejo, mas sim algo que sinto, que também me vê e me sente. Habitar e ser habitado. O corpo aqui sendo tratado como uma cidade. Onde existe as diferentes bairros, regiões nobres e regiões relegadas ao esquecimento: o centro e a periferia.
Nessa experiência, o difícil é chegar ao centro do corpo, localizado acima do osso sacro e abaixo do umbigo. Nessa cartografia corporal, os caminhos permitidos estão sinalizados, mas a cada visita ao centro, diversos trajetos são percorridos. O mapa corporal se amplia e os lugares habitados, tornando-se espaços2. Existem as avenidas que iluminadas que levam ao centro. Porém, também se descobrem os atalhos, as vielas, os lugares onde existem placas de proibido transitar, e os diversos percursos e itinerários a partir do centro em direção a periferia, tal qual como nas cidades contemporâneas.
Como consequência, criam-se novos relatos, investigam-se zonas, assiste-se fenômenos que antes deveriam ficar fora do corpo. Desconstrói-se os conceitos rígidos, as relações de gênero, os papéis masculinos ou femininos, já que as tarefas são distribuídas igualmente. As especificidades se evidenciam durante os transportes do corpo. As mulheres demostram possuir menos força física e maior flexibilidade; geralmente, o contrário acontece com o sexo masculino. Quanto a isso, ao estabelecer novos diálogos e relatos, busca-se um equilíbrio, descobre-se quais são os próprios limites e joga-se com isso.
Após os primeiros passos e contatos iniciais, o grupo experimenta outro jeito sociabilizar. Agora não mais baseada na competição, porém no afeto. Descobre-se que existem múltiplos modos de se mover, viver, agir e se relacionar para além dos princípios mercantilização e do consumo do corpo e dos sentimentos.
Com todas as dificuldades, algumas vivenciadas de forma mais individual, outras coletivamente, com a manutenção do trabalho, foi criada uma comunidade de pessoas para além dos propósitos iniciais. Seria uma tribo de contateiros3, misturada com uma tribo de unileiros4 e de algumas outras pessoas da região. As superações foram inúmeras e o trabalho foi ganhando consistência na medida em que promovíamos os encontros. Foi sendo criada uma liga entre as pessoas, uma espécie de viscosidade que unia a todos. O contato entre os seres humanos: um passo tático para reanimar o nosso cotidiano.
Por isso, motivar um grupo de pessoas para investigar o contato improvisação era realimentar minhas experiências anteriores e somá-las à criação teatral, num contexto da Tríplice Fronteira, com vistas a criação de um grupo de pessoas interessadas em participar das ações da área de teatro e dança. Digamos que tenha sido o primeiro passo na direção de estabelecer um núcleo de interessados em criação, que transitem pelo corpo.
Por outro lado, ao pensar a relação entre o corpo e a voz, o contato improvisação se torna uma excelente técnica de preparação corporal, criativa e de composição por meio do jogo e da improvisação, tendo em vista a busca de um corpo e voz mais orgânicas e sem estereótipos. Para Isabel Setti (2007, p.25) nos fala do “vácuo entre a impostação que havia servido a deuses e horóis e a voz natural, cotidiana” que separa a prática “entre a preparação vocal como a conhecíamos e as necessidades da nova cena.”
Com base no que foi expresso acima, a presente proposta se manifesta inclinada as investigações acerca da exploração do trabalho de entendimento e construção da cena contemporânea.
Justificativa
No decorrer da história do teatro ocidental, é sabido que em cada época, o modo de entender o corpo e muni-lo com ferramentas para a criação teatral sempre foi recorrente. Na formação atoral incluíam exercícios físicos da ginástica, do esporte, etc. Por outro lado, o contato improvisação além de manter-se atualizado em relação aos entendimentos do corpo, com os avanços a partir da educação somática, o contato desenvolve no praticante um despertar do corpo cinestésico (emoções, mente e espiritualidade). Nesse sentido, o contato improvisação serve de técnica, mas também pode ser a própria expressão, por ser um estilo de dança. Nos últimos anos, muitas escolas ao redor do mundo vem alterando suas disciplinas de modo a incluir mais a noção da improvisação versus composição. Isso porque, a a palavra composição pode ser relacionada com algo composto, fixo e assim, não dialoga com os anseios contemporâneos de priorizar o working in process e não o produto finalizado. Ao “entrar em contato” e improvisar, cada interprete estabelece o jogo necessário para si e para o outro, a criação passa ser realizada no instante do jogo e improviso, como uma obra de arte aberta e sem predeterminações.
Para HOUGÉE (1997, p. 120), a “improvisação representa uma abordagem aplicável a quase todos os aspectos do ensino: ela é investigativa; permite que, tenha uma visão geral do que possível, durante a prática; e ensina a fazer escolhas”5.
Por outro lado, esse trabalho desenvolve a presença e o jogo entre os atores, elementos fundamentais para o trabalho do ator. Ainda num plano anterior a expressão, o trabalho que desenvolva consciência corporal e qualificação da gestualidade.
Para TEIXEIRA (2013) a consciência corporal colabora para o equilíbrio do corpo, já que estuda os pesos do corpo, as partes que tocam o chão, os encaixe dos ossos e as relações entre os membros superiores, inferiores, musculatura e a pele, minimizando as tensões desnecessárias.
Para pensar a cena teatral na Universidade Federal da Integração Latino-Americana, com vistas a uma proposição mais contemporânea, utilizarei o termo “coletivo” para me referir ao trabalho que é criado em conjunto de maneira colaborativa, onde as hierarquias possam ser alteradas e o poder de escolha possa vir de múltiplos personagens e não apenas da figura do diretor. Ao pensar sobre o trabalho do diretor canadense Robert Lepage, DUNDJEROVIC (2007, p. 155) diz:
Mas Lepage escapa às categorias. Não existe uma escola específica ou a um vocabulário teatral que possa ser relacionado à forma de trabalho de Lepage. Seu teatro é uma mescla de improviso, arte da performance e arte multimídia. É colaborativo e também baseado em texto. É autoral e de criação coletiva. É local e global. Heterossexual e homossexual. Em francês e inglês. Bom e ruim. É processual... É a vida... É tudo e nada.
Assim, este projeto da continuidade ao processo já iniciado e percorre a trajetória rumo a criação de um coletivo de artistas na Unila. Por isso, objetiva a prática, a investigação de linguagens, a elaboração de processos e produtos poéticos cênicos. É uma experiência que se oferece a toda comunidade interna e externa da Universidade.
1O Contato Improvisação é uma prática corporal de improvisação com foco na relação. Inspira-se no encontro entre as pessoas para além das palavras, em que a lógica e o significado não estão predefinidos em termos de movimentos. O que vai defini-los são os corpos e o meio que compartilham. Jogos de equilíbrio, apoio, fluxo de movimento e colaboração para que o movimento entre os corpos aconteça são comuns. Cumplicidade, confiança e intuição são fatores importantes desenvolvidos nessa prática, porque há interesse de acessar “um outro eu mesmo”, “o outro” e “um outro acontecimento” e de nisso se revelar o inesperado, pois se busca experimentar na relação liberdade frente a certos predeterminismos sociais. (KRISCHKE, 2012, p. 15)
2CERTEAU (1998, p. 202), diferencia lugar e espaço. Pare ele, o lugar é ordem, é uma configuração instantânea de posições, implica estabilidade. O espaço, por sua vez, é o cruzamento de móveis, é animado pelo conjunto de movimentos que aí se desdobram. O espaço é um lugar praticado.
3Usa-se esse termo para como referência a comunidade praticante de contato improvisação.
4Utilizamos esse termo como referência a comunidade acadêmica da Universidade Federal da Integração Latino-Americana.
5Tradução Minha do original: Improvisation represents an approach applicable to almost every aspect of teaching: it is investigative; allows, while practicing, and overview of what is possible; and teaches one to make choices.
REFERÊNCIAS
CERTEAU, Michel de.A Invenção do Cotidiano – Artes de Fazer. Editora Vozes, Petrópolis – RJ, 1998.
DUNDJEROVIC, Aleksandar Sasha. É um Processo Coletivo ou Colaborativo? Descobrindo Lepage no Brasil. __In: Revista Sala Negra – Programa de Pós-Graduação da Editora da Universidade de São Paulo, 2007.
HOUGÉE, Aat. Improvistion in Dance Education__In: Special Limited Edition: Contact Improvisation Sourcebook. Contact Editions. Northampoton, Massachusetts, 1997.
KRISCHKE, Ana Maria Alonso. Contato Improvisação: A experiência do conhecer ea presença do outro na dança; Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação emEducação.orientadora, Ida Mara Freire; coorientador, Nestor Habkost – Florianópolis, SC, 2012.
MAFFESOLI, Michel. El Tiempo de las Tribus: El declive del individualismo em las sociedades de masas. ICARIA Editorial, S.A., Barcelona, 1990.
SETTI, Isabel. O Corpo da palavra não é fixo deixa-se tocar pelo tempo e seus espaços. Revista Sala Preta do PPGAC da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2007.
Encontros 2 vezes por semana, para prática e improvisação a partir do contato improvisação. Cada encontro com duração de 3 horas. Um mais voltado a experimentação técnica e outro a criação cênica. Os encontros ocorrerão nas segundas e sextas, no período da noite, na Sala Negra I da Unila Centro. O planejamento dos encontros se dará no decorrer do ano, a partir de cada encontro, dos materiais criados e das principais dificuldades dos participantes. No entanto se priorizará as sextas-feiras para prática corporal por meio do contato improvisação.
Por outro lado, nas segundas-feiras o trabalho sera enfocado no estudo e montagem do texto teatral “Carícias” do dramaturgo Espanhol Sergi Belbel. Consequentemente, nesta parte do processo pedagógico centraremos a investigação acerca da leitura, entendimento e criação teatral utilizando o conceito de ação dramática.
Em relação as mostras, pretendo realizar duas mostras durante o ano, uma no primeiro e outra segundo semestre. As mostras serão uma espécie de ensaio aberto em relação a montagem do texto "Carícias". Além dessas mostras, pretendo realizar JAMs abertas ao público a cada dois meses, com diversas temáticas, de maneira mais livre e improvisacional (Jams), onde os atores possam exercitar o contato e relação com o público. As Jams podem ocorrer tanto em espaço fechado como em espaço aberto.
Cronograma
Jan
Fev
Mar
Abr
Mai
Jun
Jul
Ago
Set
Out
Nov
Dez
Elaboração do projeto
x
Comunicação
Práticas
Reflexão da experiência
DISCENTES, DOCENTES E TÉCNICOS ADMINISTRATIVOS
COMUNIDADE EM GERAL
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